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As doenças sexualmente transmissíveis e a educação sexual: tabu ou não?

por Tânia Soares (texto e edição) & Daniela Amorim (edição)


No dia de São Valentim, o Do Outro Lado conversou com Mário Macedo, enfermeiro especialista em saúde infantil na urgência pediátrica do Hospital Fernando Fonseca, sobre as doenças sexualmente transmissíveis e o a importância da educação sexual atualmente.


Segundo Mário Macedo, as principais doenças sexualmente transmissíveis dividem-se por grupos:


  • Doenças de base bacteriana - têm tratamento barato e acessível, mas são bactérias que se adaptam muito e quando os tratamentos com antibióticos são mal feitos ou quando não são cumpridos, cria-se estirpes mais resistentes. Doenças então como sífilis, clamídia e gonorreia.

  • Doenças de base virais - VIH, que provoca a SIDA e o HPV (Vírus do Papiloma Humano), que é uma das principais causas do cancro do colo do útero e do pénis. Este último não é apenas um vírus. É uma família que tem nove ou dez primos e destes há uns que são mais perigosos que outros e então associados a estes tipos de cancro.

  • Doenças de base fúngica - candidíase ou versões desta doença que podem ser mais ou menos resistentes ao tratamento

  • Doenças de parasitas unicelulares - nos homens não costumam aparecer sintomas, mas nas mulheres já ocorre de forma mais regular, embora não seja grave. É uma colonização de um ser que não era suposto estar ali e que causa desconforto e comichão - que poderá vir a abrir caminho para outro tipo de infeções a posteriori.

No dia oito de fevereiro de 2023, a ECDC publicou um relatório sobre a gonorreia. Sobre esta doença, Mário Macedo repara que o contágio tem vindo a aumentar. Por exemplo, em Portugal, em 2015, havia 277 casos e em 2022 foram registados 1060. O enfermeiro explica que o panorama não é só nesta doença, mas sim em todas as outras (com exceção do VHI): " em Portugal e na Europa Ocidental temos vindo a assistir a um “voltar” de algumas doenças sexualmente transmissíveis, que nós julgávamos já estar como residuais".




Há vários fatores que estão a fazer com que isto aconteça e Mário Macedo enuncia alguns deles: a diminuição do esforço em fazer campanhas para o uso de preservativo; a maior resistência de algumas doenças a antibióticos e no caso da sífilis congênita, a perda de controlo da sua transmissão por não haver rastreio à mãe na altura do parto.





Para o enfermeiro, a saúde sexual envolve vários tipos de ações como o planeamento familiar, educação e distribuição de preservativos. Mário Macedo reforça a ideia de que é necessário trazer de volta a mensagem do uso do preservativo, para que as pessoas "que adotem um comportamento de maior risco, sejam testadas".


A sociedade também mudou nos últimos anos, tornando-se "mais conservadora" em assuntos como este. Isso afeta a divulgação destas mensagens, nomeadamente às pessoas que mais precisam. Mário Macedo garante então que é fulcral olhar para estas doenças, não como algo passageiro, mas sim como "doenças que estão a voltar e que não podemos ignorá-las".

Lembro-me que há 15 anos, nos programas do género “Curto Circuito”, não era incomum haver debates ou mensagens para a utilização de preservativos. Isto era falado abertamente, não era tabu e não criava escândalo.

O profissional de saúde explica que dizer aos estudantes para usarem o preservativo não é dar-lhes incentivo. O objetivo é "ensinar-lhes que se eles quiserem fazer isso (que farão mais tarde ou mais cedo), que o façam em condições de segurança". Não se deve então manter as pessoas desinformadas, "porque vão agir sem proteção", promovendo assim a maior transmissão destas doenças.


O enfermeiro que faz urgências pediátricas conta que há muitos adolescentes que aparecem pela segunda vez com uma doença, mesmo afirmando que não tiveram mais relações sexuais e que até fizeram o tratamento completo. Estas situações podem ser prevenidas com o uso do preservativo. "Dá-me muita pena saber que poderíamos evitar isto tudo com uma medida que é tão barata e tão fácil de se fazer", lamenta. No entanto, Mário Macedo admite que é necessário investir dinheiro, "porque nada se faz sem fundos".


Esses fundos são escassos para que possa implementar programas de educação sexual. Por exemplo, Mário Macedo admite que as escolas têm poucos recursos, mas que têm um papel fundamental na área porque é " nas escolas que os adolescentes estão e acabam por estar disponíveis para ouvir estas mensagens".


No entanto, o enfermeiro das urgências pediátricas admite que mesmo que haja professores que não têm à vontade para falar sobre estes assuntos, "de certeza que com a disciplina de biologia, ou um reforço da saúde escolar, seria possível falar destes temas ou colocá-los nos currículos das escolas". Outra solução passa por convidar enfermeiros ou profissionais de saúde à escola para darem "modos de saúde".



Além disso, a família assume um papel complementar ao da escola. Segundo Mário Macedo, estas devem incentivar os adolescentes a serem autónomos na forma como se relacionam com os outros e como constroem as suas relações amorosas e sexuais, implicando também a proteção.


"Como ensinamos às crianças que não se apanham coisas do chão ou que não devemos falar para estranhos, também temos de ensinar ao adolescente que pode iniciar a vida sexual quando quiser, sem falsos moralismos, mas que essa escolha deve ser informada" comenta.


E quem não concorda com isto?


Mário Macedo afirma que há uns anos, implementar estes programas "teria sido mais fácil" porque a sociedade está menos aberta. Para quem não concorda com estes programas, o enfermeiro reforça a necessidade de se explicar a sua importância e ter a noção de que os adolescentes vão iniciar a sua vida sexual "mais cedo ou mais tarde" e que se isso vai acontecer, seria melhor fazê-lo "informados e conscientes". Isto está ainda interligado com os abortos. A forma de olhar para estes casos é a mesma: não proibir e "encarar de frente".




As formas de tratamento


A ciência tem evoluído e algumas destas doenças já têm um tratamento existente. Por exemplo, para o HPV já existem vacinas, agora alargadas para o sexo masculino. No entanto, para o VIH não há um tratamento definitivo, apenas se consegue reduzir a carga viral com um tratamento que "infelizmente é caro". Este procedimento faz com que a pessoa continue a ser portadora do vírus, mas não terá carga viral suficiente para a transmitir. Também existem testes rápidos para todo este tipo de doenças, embora uns estejam mais acessíveis do que outros. Os testes rápidos, em Portugal, são mais utilizados para o VIH e em contextos mais específicos como as instituições que vão a bairros mais carenciados.


Isto não é uma fatalidade, é preciso haver empenho, dinamismo e financiamento adequado.

As doenças de base bacteriana são "mais difíceis de tratar" e espera-se que no futuro haja vacinas ou outros tratamentos para combater estas doenças. Para o enfermeiro, "é possível controlar, e até eliminar muitas destas doenças". Para isso, deve haver "uma vontade e uma aposta forte na prevenção e deteção precoce destas doenças. Assim, quando for preciso fazer tratamentos, os tratamentos devem estar disponíveis rapidamente e as pessoa deverão saber cumpri-los", conclui.



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1 Comment


Marize Cunha
Marize Cunha
Feb 26, 2023

É realmente um artigo importante para a literacia da saúde, parabéns!

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