por Carolina Almeida (texto e edição), Daniela Amorim & Tânia Soares
A cultura contemporânea japonesa, como os animes, o manga, a gastronomia e os cosplays, tem tido palco em Portugal, sendo destacada em eventos de cultura pop, como o Iberanime e a Comic Con. Contudo, há um lado tradicional japonês que não é tão visto, muito menos falado e que tem um papel fulcral na cultura do país. O Do Outro Lado falou com algumas pessoas interessadas na cultura tradicional japonesa e abordará algumas dessas temáticas.
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O Japão tradicional no Iberanime
O Iberanime é o maior evento de cultura pop japonesa em Portugal e realiza-se duas vezes por ano: em meados de maio, em Lisboa e em meados de outubro, em Matosinhos. Este evento divulga vários conteúdos da cultura japonesa contemporânea, porém também apresenta ao público workshops de cultura tradicional: Filosofia Budista, Origamis e Trajes Nipónicos e Madeirenses.
Os trajes nipónicos e madeirenses
Luana Pestana é uma jovem natural da ilha da Madeira e fascinada pela cultura japonesa. Ingressou no mestrado em Estudos Regionais e Locais com o objetivo de encontrar semelhanças entre as culturas madeirense e japonesa. O Japão e a Madeira são ilhas com alguma história de contacto, como trocas mercantis e tentativas por parte portuguesa de introdução do cristianismo no Japão. Luana tem um especial fascínio pelos trajes madeirenses e pelos trajes japoneses, tendo realizado um workshop no Iberanime Porto 2022 sobre este tema.
Fotografias do Workshop realizado a 23 de outubro de 2022 | Luana Pestana
Em que medida é que a nível local, as pessoas conhecem o lado mais tradicional da cultura japonesa e possíveis semelhanças com a cultura da Madeira?
Luana Pestana: Sobre a cultura japonesa, muito, muito pouco. Provavelmente a nossa geração, como está mais conectada às tecnologias e à Internet, tem mais acesso a informação sobre outras culturas, mas, por exemplo, quando falei com os meus pais sobre um possível tema para a minha dissertação, que envolveria cultura japonesa e semelhanças com a cultura madeirense, eles não perceberam muito bem o que cultura japonesa era. Penso que as pessoas não têm muita noção ao diferenciar culturas asiáticas.
Relativamente à nossa cultura local, isso não nos é ensinado ou introduzido no contexto escolar. Basicamente, tudo aquilo que sabemos relativamente à nossa cultura é-nos transmitido, ou através de eventos culturais, ou através da nossa família. Não temos a herança dos trajes regionais cá na Madeira. Eu não tenho aquelas roupas. Geralmente quem as tem são as Casas do Povo locais.
Que estratégias poderiam ser adotadas para que estes trajes fossem mais reconhecidos na Madeira?
LP: No Japão eles têm casas específicas de aluguer de trajes, ou seja, nós podemos ir lá alugar um traje, eles vestem-nos com todos os componentes do traje japonês e isso é uma forma de turismo. Aqui na Madeira, não temos isso. Não temos um lugar específico onde as pessoas possam experimentar e experienciar o que é vestir algo tradicional de uma cultura.
A Filosofia Budista
Mauro Nakamura é o Presidente da ITIMAN Portugal e professor de Filosofia Budista. Apesar de ter um histórico de Engenharia e Gestão, ainda na faculdade teve interesse pela Filosofia Budista, tendo criado um grupo de estudos de filosofia com colegas. Veio viver para Portugal como diretor internacional da ITIMAN, tendo tomado posse como seu presidente em 2019. O seu principal objetivo nesta editora é "transmitir os seus ensinamentos" sobre a Filosofia Budista à população portuguesa.
Em que medida é que a nível local ou nacional, as pessoas conhecem este lado da cultura japonesa?
Mauro Nakamura: Quase nada. É muito difícil encontrar pessoas que têm esse conhecimento e uma das motivações da nossa editora, que representa uma editora japonesa, é trazer títulos dessa área para cá e também dar a conhecer às pessoas aqui em Portugal o que é a filosofia budista.
Quão importante é abordar a filosofia budista?
MN: A importância está no facto de que isso pode ajudar, e muito, a vida das pessoas. Uma das coisas que eu percebi ao chegar a Portugal, é que muitas pessoas são pessimistas. A filosofia Budista, embora as pessoas achem que é pessimista por tratar questões da morte e do pós-morte, ela fala da inconstância da vida, da própria efemeridade. É um ensinamento muito positivo. É positivo no sentido de que explica a causa do sofrimento e, portanto, o caminho para sua solução.
Como é que se poderia divulgar mais este lado da cultura japonesa para além destes eventos, como o Iberanime?
MN: Acho que a principal divulgação que nós temos é a partir dos livros, mas também através dos cursos online e palestras que dou. Só que pessoas interessadas na cultura japonesa, que também tenham interesse na filosofia budista, não são muito comuns. Ou a pessoa tem interesse na cultura do Japão, seja pelo anime, pelo manga ou pelo cosplay, ou a pessoa tem interesse na filosofia budista porque se questiona. Questiona-se de várias coisas, por exemplo: "porque é que eu nasci e preciso viver?"; "porque é que para viver eu preciso de trabalhar e fazer tudo o que eu faço e não é fácil?"; "porquê tanto sacrifício para viver?"; "onde é que nós vamos chegar com isso?". Então, há pessoas que procuram resposta para estas perguntas.
Fotografias do Workshop Realizado a 23 de outubro de 2022 | Mauro Nakamura
A vida no Japão e seus costumes
Também apaixonadas pela cultura tradicional japonesa, são Marta Mundo e Vanessa Éffe, que se conheceram nos anos 2000 e lançaram agora em colaboração o livro "Um ano de Japão". O livro foi publicado através de um projeto de financiamento coletivo que angariou mais de dois mil euros. No lançamento do livro no Porto, no dia 11 de dezembro, as duas falaram da sua relação com o Japão.
Juntas, administram a página Omamori no Instagram, onde foram partilhando as suas aventuras pelo país do sol nascente. Marta viveu no Japão durante quatro anos e Vanessa juntou-se a ela, mais tarde, para conhecer o país.
Quando foram para o Japão, conheciam o lado mais mainstream da cultura japonesa, neste caso anime, música, manga, ou já se interessavam por outras áreas da cultura, talvez áreas menos conhecidas?
Vanessa Éffe: No meu caso sim, sempre tive uma relação com a parte do anime e do manga, principalmente com o manga pela questão da ilustração, sempre esteve muito presente. Penso que também falávamos imenso sobre os vários temas da cultura, embora os nossos gostos sejam um bocadinho diferentes.
Marta Mundo: Sim, eu gosto mais da cultura tradicional. Não quer dizer que não goste da cultura contemporânea, pois já vi animes e já li alguns mangas, mas tenho mais preferência pela cultura tradicional, ou seja, neste momento estou a estudar Sado, que, apesar de não bater bem com a tradução, é a Cerimónia do Chá. São gostos diferentes, mas gostamos da cultura japonesa de uma forma geral.
E ao viver no Japão, qual foi o lado da cultura que vos fascinou mais?
MM: Para mim foi a tradicional. Especialmente na segunda vez que eu vivi no Japão, em Hiroshima, comecei a ter contato com o vestir o kimono, a cerimónia do chá, os doces tradicionais... Com tudo isso comecei a ganhar um pequeno "bichinho" e comecei a gostar de fazer, de experimentar e a tentar ter mais aulas de forma a aprofundar mais a cultura e, neste momento, estou quase a full time a estudar a Cerimónia do Chá.
Qual é a vossa visão sobre a forma como a cultura japonesa, mais precisamente o lado tradicional, é divulgada cá?
VE: Acho que há cada vez mais interesse, especialmente nos últimos anos.
MM: Há muitos eventos relacionados com a cultura japonesa, hoje em dia. Desde coisas que não são tão conhecidas como, por exemplo, haiku, que são os poemas japoneses, ou caligrafia. Ou mesmo no meu caso, ontem dei um workshop de Sado e é mesmo muito raro alguém ensinar Sado em Portugal.
Parabéns pelo artigo 💜